HÁ 31 ANOS, À BEIRA DA GUERRA CIVIL...
Depois do 25 de Novembro de 1975 foi imposto o recolher obrigatório durante alguns dias e Portugal esteve à beira da guerra civil. Na altura eu escrevia um diário, do qual vou reproduzir alguns excertos relativos ao dia 27 de Novembro de 1975, faz hoje 31 anos, um dia que eu ainda hoje tenho bem retido na memória.
(a tocar Flor Sem Tempo de Paulo de Carvalho, uma das canções mais bonitas de sempre da música portuguesa - os comandos estão no fim do blog)
Quinta-feira, 27 de Novembro de 1975
«Passa algo das nove e meia da manhã e só agora acalmaram os ânimos e eu consigo escrever alguma coisa daquilo que se passou desde as quatro e tal desta noite. É que já ontem tive pesadelos sobre guerra civil e esta noite o pesadelo esteve muito perto da realidade.
«Passa algo das nove e meia da manhã e só agora acalmaram os ânimos e eu consigo escrever alguma coisa daquilo que se passou desde as quatro e tal desta noite. É que já ontem tive pesadelos sobre guerra civil e esta noite o pesadelo esteve muito perto da realidade.
(...)
A meio da noite ouvi um toque estridente na campainha da porta da rua. Ao mesmo tempo ouvia-se o barulho de um ou mais camiões com os motores ligados. Os toques na campainha repetiram-se, cada vez mais prolongados… Levantei-me de um salto mas não fiquei completamente acordado. Mesmo assim, em décimos de segundo, interroguei-me o porquê da minha casa ser a primeira a ser atacada – embora não houvesse quaisquer motivos para isso pois lá em casa ninguém se metia em política -, e mal podia acreditar que pudesse estar a ocorrer tudo tão depressa.
Saí para o corredor a tempo de ver o meu pai de volta da porta da rua. Gritei para ele não abrir, que podiam ser militares com armas. Mas o meu pai já estava a abrir a porta e a todo o momento eu julguei ver aparecer na luz das escadas alguém armado – os indícios eram por demais evidentes… Mas não! O meu pai saiu para as escadas e perguntou repetidamente quem era.
Corri à janela! Seria uma imprudência espreitar pela janela no caso de serem militares… Mas, espreitei e dei um suspiro de alívio quando vi uma camioneta da carreira parada em frente no outro lado da estrada a aquecer os motores… Estava descoberta a origem do barulho dos camiões…
E logo, logo ouvi uma voz conhecida: era a Florzinda! Compreendi de imediato o que se passava. Corri para o quarto onde estava a minha mãe e levei a mão à testa, exclamando: «afinal está tudo bem! Ainda não é a guerra civil!». A Florzinda vinha pedir ao meu pai para levar a Rosália ao hospital, pois ela estava quase a parir! O meu pai mostrou-se logo disponível, foi vestir-se e poucos minutos depois já estava saindo.
Voltei, finalmente, para a cama mas já não consegui adormecer. Acho mesmo que não cheguei a acordar de todo. Os acontecimentos tinham sido deveras intensos! Estávamos mesmo no limite da hora do recolher obrigatório quando o meu pai arrancou.
Mas as emoções do dia não terminaram com o parto prematuro da Rosália: nas notícias das 8 disseram que o Forte de Almada estava cercado por populares, mas um comunicado dizia que os militares os haviam dispersado. É provável que tenha corrido sangue pois os ânimos têm andado muito exaltados nos últimos dias. No Barreiro e em Setúbal passou-se o mesmo e em Estremoz também houve bronca.
O Vasco Lourenço considerou este um golpe de extrema-esquerda e informou terem morrido três soldados e um ficado ferido nos incidentes de ontem.
(…)
Agora são exactamente 3 horas da tarde: há pouco tocaram à de novo à campainha da porta mas desta vez era um vizinho dos prédios azuis. Entrou pela casa dentro quase sem pedir licença e dirigiu-se à varanda da frente onde colou um cartaz a anunciar que hoje à noite vai haver cinema no barracão do Zé Pereira.
O homem é cobrador das camionetas e é meio amalucado. Antes de sair disse que era da LUAR. Cheirava a álcool e é provável que estivesse embriagado. Mas mal saiu, voltou para trás e quis ver o rádio, que estava no meu quarto. Entrou no quarto, pegou no rádio de pernas para o ar, examinando-o demoradamente. Depois voltou a colocá-lo no sítio dizendo que os galegos é que estavam a difundir as notícias falsas. Antes de voltar a sair acrescentou que o Jaime Neves estava no comando do Copcon, o que, a ser verdade, significa que o Otelo foi demitido ou que lhe aconteceu algo ainda mais grave.
Disse também que ia para uma manifestação às 7 horas da tarde, que tinha uma arma em casa e que o seu partido tinha muitas G3.
(…)
Oficialmente, disseram nas notícias da noite que o Chefe do Estado Maior do Exército, General Carlos Fabião, e o Chefe do Copcon, Otelo Saraiva de Carvalho, pediram a demissão, que foi aceite. No entanto, Álvaro Cunhal ainda não se manifestou mas o meu pai disse que um golpe assim desorganizado não devia ser obra do PCP. E o meu pai lê muitos jornais, deve perceber destas coisas(…)»
A meio da noite ouvi um toque estridente na campainha da porta da rua. Ao mesmo tempo ouvia-se o barulho de um ou mais camiões com os motores ligados. Os toques na campainha repetiram-se, cada vez mais prolongados… Levantei-me de um salto mas não fiquei completamente acordado. Mesmo assim, em décimos de segundo, interroguei-me o porquê da minha casa ser a primeira a ser atacada – embora não houvesse quaisquer motivos para isso pois lá em casa ninguém se metia em política -, e mal podia acreditar que pudesse estar a ocorrer tudo tão depressa.
Saí para o corredor a tempo de ver o meu pai de volta da porta da rua. Gritei para ele não abrir, que podiam ser militares com armas. Mas o meu pai já estava a abrir a porta e a todo o momento eu julguei ver aparecer na luz das escadas alguém armado – os indícios eram por demais evidentes… Mas não! O meu pai saiu para as escadas e perguntou repetidamente quem era.
Corri à janela! Seria uma imprudência espreitar pela janela no caso de serem militares… Mas, espreitei e dei um suspiro de alívio quando vi uma camioneta da carreira parada em frente no outro lado da estrada a aquecer os motores… Estava descoberta a origem do barulho dos camiões…
E logo, logo ouvi uma voz conhecida: era a Florzinda! Compreendi de imediato o que se passava. Corri para o quarto onde estava a minha mãe e levei a mão à testa, exclamando: «afinal está tudo bem! Ainda não é a guerra civil!». A Florzinda vinha pedir ao meu pai para levar a Rosália ao hospital, pois ela estava quase a parir! O meu pai mostrou-se logo disponível, foi vestir-se e poucos minutos depois já estava saindo.
Voltei, finalmente, para a cama mas já não consegui adormecer. Acho mesmo que não cheguei a acordar de todo. Os acontecimentos tinham sido deveras intensos! Estávamos mesmo no limite da hora do recolher obrigatório quando o meu pai arrancou.
Mas as emoções do dia não terminaram com o parto prematuro da Rosália: nas notícias das 8 disseram que o Forte de Almada estava cercado por populares, mas um comunicado dizia que os militares os haviam dispersado. É provável que tenha corrido sangue pois os ânimos têm andado muito exaltados nos últimos dias. No Barreiro e em Setúbal passou-se o mesmo e em Estremoz também houve bronca.
O Vasco Lourenço considerou este um golpe de extrema-esquerda e informou terem morrido três soldados e um ficado ferido nos incidentes de ontem.
(…)
Agora são exactamente 3 horas da tarde: há pouco tocaram à de novo à campainha da porta mas desta vez era um vizinho dos prédios azuis. Entrou pela casa dentro quase sem pedir licença e dirigiu-se à varanda da frente onde colou um cartaz a anunciar que hoje à noite vai haver cinema no barracão do Zé Pereira.
O homem é cobrador das camionetas e é meio amalucado. Antes de sair disse que era da LUAR. Cheirava a álcool e é provável que estivesse embriagado. Mas mal saiu, voltou para trás e quis ver o rádio, que estava no meu quarto. Entrou no quarto, pegou no rádio de pernas para o ar, examinando-o demoradamente. Depois voltou a colocá-lo no sítio dizendo que os galegos é que estavam a difundir as notícias falsas. Antes de voltar a sair acrescentou que o Jaime Neves estava no comando do Copcon, o que, a ser verdade, significa que o Otelo foi demitido ou que lhe aconteceu algo ainda mais grave.
Disse também que ia para uma manifestação às 7 horas da tarde, que tinha uma arma em casa e que o seu partido tinha muitas G3.
(…)
Oficialmente, disseram nas notícias da noite que o Chefe do Estado Maior do Exército, General Carlos Fabião, e o Chefe do Copcon, Otelo Saraiva de Carvalho, pediram a demissão, que foi aceite. No entanto, Álvaro Cunhal ainda não se manifestou mas o meu pai disse que um golpe assim desorganizado não devia ser obra do PCP. E o meu pai lê muitos jornais, deve perceber destas coisas(…)»
8 Comments:
Não tem muitos anos que falámos deste diário e tenho estado à espera... Hoje tive uma surpresa. Obrigada Alex. Um grande beijinho. O desafio das minhas 5 manias está respondido em Angel Bar mas à minha maneira, é claro ;) Passe por lá como habitualmente para "beber" um copo ;)
Olá, Alex - 1º consegui entrar e 2º
uma surpresa este excerto do teu diário...
Gostei mto. Obrigada pela partilha
Beijos e abraços
Marta
Olá Alex,
Já há tantos anos escrevias...
Pois é: no dia 25 de Novembro de 75 mudei-me do Alentejo para aqui. Mudámos durante a madrugada. Só de manhã é que me apercebi do movimento.
Em Janeiro(se não estou enganada ) conhecemo-nos. Será que faço parte, algures do dito cujo???
Beijokas
oh Tomate a dar-se ares de Diospiro.... (hihihihihihihi)
K idade é k tu tinhas na altura hein?? não achas piroso escrever um diário?? (sou tan malvada...)
E ké k tinha uma guerrinha de nada? hum??
Se não fossem as guerrinhas k os mortais arranjam, por causas que nem ao diabo lembram e umas catastrofezitas naturais, já não cabia mais gente aí por cima!!
E lá vou eu espetar o tridente noutras almas...
beijo de enxofre
Dióspiro???
Mas que idade tinhas tu em 1975???
O conceito de que não se pergunta a idade é só para as senhoras, correcto???
Sou uma rapariga dos anos 60, mas era incapaz de escrever com tamanha clareza de espirito e consciência do que só alguns sabiam...
Dióspiro... Dióspiro...!!!
Um beijo da miudaaa super, hiper, mega preocupada :-)
Minhas amigas,
o que conta num homem é a idade psicológica - convencido, hehehe - a angel, a marta e a isutil sabem a minha idade, mas isso não importa, quanto à Diabba e à Miudaaa direi que não tenho tão poucos como vocês pensariam com certeza, mas também não tenho tantos como esse excerto do diário deixa transparecer - é que eu comecei a escrever muito cedo, agora façam a média, tirem a raiz quadrada e obtêm o resultado.
Beijinhos doces à angel, marta isutil, miudaaa e beijos de urânio para a diabba. Mas todos com muito carinho!!!!
ó dióspiro... palavras leva-as o vento!!!
lai lai lai lai lai lai!!!
achas que eu quero saber a tua idade???
achas que é mesmo importante???
este ano, e pela primeira vez... dei-te os parabens, para cima de 345 x's e nem uma vez te perguntei a idade... mas adiante...vou daqui contente :-)))
"...tirem a raiz quadrada e obtêm o resultado."
Ah é assim?? pois cá vai... (pegando no lápis)
Ora... não devias ter menos que 16... somando mais 31 = 47!! Perto não é??
Pffff um chavaleco perto de mim... que tenho 781 (sim, setecentos e oitenta e um) aninhos!!
hehehehehehe (espalhando enxofre)
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