segunda-feira, dezembro 04, 2006

TRAFARIA, Quinta-feira, 4 de Dezembro de 1980

A caserna albergava cerca de 30 recrutas. Era a véspera da prova final, que se previa dura, e que iria ditar a classificação final dos elementos do pelotão: os que seriam promovidos e os que ficariam para trás. Por isso o silêncio imperava, o que não era habitual pois geralmente as brincadeiras e a algazarra prolongavam-se até tarde! Mas nessa noite até o algarvio estava calado, e o matosinhense também! Eram eles os mais conflituosos, todos os dias se pegavam um com o outro. Mas nessa noite, não! Concentração total para o dia seguinte!
Foi quando alguém cortou o silêncio e gritou do fim da sala: «O Sá Carneiro morreu!». Alguns tinham um pequeno rádio de pilhas e ficavam ouvindo música até adormecerem. Os que estavam deitados mas acordados puseram-se de pé, surpreendidos. Logo depois veio a confirmação, que ainda não era bem confirmação, era uma suposição pois os jornalistas ainda não tinham chegado ao local, Camarate, em Lisboa, segundo parecia.
Passaram-se longos minutos até se saber mais alguma coisa: então, o que se foi divulgando durante umas horas foi que o 1.º Ministro Francisco Sá Carneiro e o Ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa, tinham morrido na sequência da queda da avioneta em que se deslocavam de Lisboa para o Porto. Com eles presumia-se que tinham morrido também os restantes passageiros – que não se sabiam bem quem eram – e o piloto.
Instalou-se um burburinho tal – uns falavam de «atentado, de certeza!», outros eram mais moderados – mas a verdade é que o facto de se irem realizar eleições presidenciais três dias depois com uma disputa muito acesa entre Ramalho Eanes (apoiado pelo PS e pelo PCP) e Soares Carneiro (apoiado pela Aliança Democrática), indiciava que o «acidente» podia não ter sido exactamente um acidente.
O aspirante do pelotão veio à caserna pedir silêncio num tom de voz suave que nos deixou intrigados, pois geralmente ele era muito duro. Algum tempo depois voltou para comunicar que a prova final do dia seguinte fora cancelada e que o quartel estava em estado de alerta!
É claro que quase ninguém dormiu nessa noite, e o dia seguinte amanheceu com a confirmação das mortes, acrescentando-se a elas a companheira de Sá Carneiro, Snu Abecassis.
Bom, como já devem ter percebido, eu estava na tropa nessa altura e por lá fiquei mais um ano e tal. Apesar de as minhas convicções serem anti-militaristas, na altura não tive outra hipótese senão alinhar. Se me fez bem ou mal, não sei…

8 Comments:

At dezembro 04, 2006 2:04 da tarde, Blogger angel bar said...

Quantas pessoas não foram para a tropa se sentirem nesse papel... imagino que não foi fácil. Quanto à morte de Sá Carneiro vai continuar no segredo... Um bom filme para rever ou ver "Camarate". Um beijinho

 
At dezembro 04, 2006 5:50 da tarde, Blogger Isabel said...

Até que enfim alguem comenta o aniversário da morte de Sá Carneiro, que seja-se lá de que quadrante politico se for, deveremos encarar como um grande politico com uma morte trágica, junto com o amor da sua vida e Adelino Amaro da Costa.

Como foste o unico que eu vi a comentar e a contar onde estava quase dá vontade de perguntar por ai: E tu onde estavas quando morreu Sá Carneiro?
Como habitualmente se faz em relação ao 25 de abril.

Estranhamente não me lembro onde estava quando soube a noticia.

Lembro-me de no meu romântico pensamento ter pensado que ele e snu pelo menos tinham morrido juntos.

Até já.

Isabel

 
At dezembro 04, 2006 7:16 da tarde, Blogger 13 said...

Eu tinha 1 ano de vida... parece tão longínquo!

 
At dezembro 04, 2006 9:41 da tarde, Blogger Diabba said...

Tropa? Politica? argggggggggghhhhh

Vai contra a minha religião!!

(Cobrindo-me de enxofre... just in case...)

 
At dezembro 04, 2006 11:26 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Sobre o "acidente" de Sá Carneiro. Digo-vos que Portugal hoje não seria esta mediocridadade toda se ele não tivesse falecido...

Também gostaria de deixar aqui registada a minha indignação pelas brincadeiras de mau gosto que ontem se observaram no "Gato Fedorento" a propósito dessa tragédia.

 
At dezembro 05, 2006 1:35 da manhã, Blogger deep said...

Outro daqueles casos que nos envergonha: não só pelo que aconteceu, mas também por ser um dos muitos que prescreve neste país. Não temos remédio!

Bjs

 
At dezembro 05, 2006 9:26 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Por acaso ontem também me recordei desse dia, que por vezes parece tão distante.
Estava a frequentar o meu curso de professora em Lisboa. Quem diria que passados estes anos encontro-me no mesmo edíficio e novamente a a estudar...

 
At dezembro 05, 2006 9:31 da manhã, Blogger Alexandre said...

ISUTIL,
Olá, somos da mesma idade (shiu, não se pode dizer, então tu que és uma dama, hehehe), por isso certos acontecimentos marcaram-nos porque tempo a vida era politicamente mais intensa. Agora... não acontece nada...

Beijokas!

 

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